sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Em decisão histórica, STF libera pesquisas com células-tronco embrionárias

Definição sobre o momento inicial da vida e seu significado jurídico. Garantia constitucional dada aos embriões. Dignidade humana. Foi em meio a tais discussões, que o STF (Supremo Tribunal Federal), em maio de 2008, autorizou, sem restrições, a continuidade das pesquisas com células-tronco embrionárias no Brasil, num dos principais momentos do ano em que a Corte foi chamada a se pronunciar sobre questões de grande importância para o país.


Com o objetivo de traçar um panorama dos principais debates e decisões do Judiciário no ano, a série Retrospectiva Jurídica 2008 apresenta ao leitor uma reflexão sobre a origem e desdobramentos de cada caso de destaque no universo jurídico.

Entre o direito, a fé e a ciência, os ministros do Supremo, por seis votos a cinco, julgaram improcedente a Adin (ação direta de inconstitucionalidade) contra o artigo 5º da Lei de Biossegurança (Lei 11.105/05). A decisão, que mobilizou e colocou em oposição diversos setores da sociedade, manteve a esperança de cura, alimentada por pacientes com doenças degenerativas ou portadores de deficiência.

Após longos debates, que mostraram a complexidade de uma questão que não é unânime entre católicos ou dentro da comunidade científica, prevaleceu o entendimento do relator da ação, ministro Carlos Ayres Britto, de que “um embrião congelado, que jamais será gerado, não pode gozar dos direitos de proteção da vida e da dignidade da pessoa humana”.

Ação
A Lei de Biossegurança foi aprovada em 2005 e o seu artigo 5º permite o uso de células-tronco —células embrionárias que podem se dividir e transformar em outros tecidos do corpo— de embriões in vitro para fins de pesquisa e terapia, com autorização do casal. Mas os embriões devem estar congelados há pelo menos três anos.

A ação questionando o dispositivo da lei foi ajuizada no Supremo em 2005 pelo então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles. Na Adin, ele defendia o conceito de que a vida acontece a partir da fecundação. “O embrião humano é vida humana”, afirmou o ex-procurador, dizendo ter baseado o pedido em diversos relatos científicos. Em parecer na Adin, Fonteles citou o princípio da inviolabilidade do direito à vida.

Os 11 ministros do Supremo deveriam decidir, na prática, se laboratórios e cientistas podem, no Brasil, realizar pesquisas científicas com o uso dessas células, como permite a lei.

Em ato inédito, o STF realizou a primeira audiência pública de sua história, marcada pelo debate sobre o início da vida. Ao longo do julgamento, manifestaram-se tanto entidades científicas, como o Movimento em Prol da Vida e o Instituto de Bioética, e religiosas, como a CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil).

Julgamento
“Nesta república laica, o Estado não se submete a religiões”. Foi esse um dos argumentos trazidos pelo decano da Corte, Celso de Mello. O ministro afirmou que, após tal julgamento histórico, “milhões de pessoas não estarão mais condenadas à desesperança”.

Se o Supremo mais uma vez fez história com um julgamento de grande repercussão —capaz de mobilizar movimentos pró e contra as pesquisas e portadores de necessidades especiais—, não foi sem grandes polêmicas.

No início do julgamento, em março de 2008, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, apresentou o parecer contrário à continuidade das pesquisas.

Primeiro a fazer sustentação oral pela CNBB, Ives Gandra Martins afirmou que, “a vida tem início no momento em que o embrião é fecundado”. Assim, a Constituição Federal e o Código Civil lhe garantem o direito à vida e personalidade jurídica.

Em oposição, o advogado-geral da União, José Antônio Dias Toffoli, defendeu que apenas a partir do nascimento o embrião tem direito à vida. “Por que a pena é diferente para o caso de um aborto e de um homicídio? A legislação brasileira não trata o feto como ser humano. O que se falar de um embrião congelado, que não está no útero da mulher?”, indagou.

Carlos Ayres Britto, relator da ação, afirmou em seu voto que “vida humana com personalidade jurídica é entre o nascimento com vida e a morte cerebral”.

Carlos Alberto Direito, que seria o segundo a votar, pediu vista para analisar melhor a questão. A ministra Ellen Gracie, no entanto, decidiu adiantar seu voto, também favorável à continuação das pesquisas. Com dois votos favoráveis à continuidade dos estudos, o Supremo suspendia a decisão.

Retomado em maio, o julgamento levou dois dias para ser concluído. Mais quatro votos foram favoráveis à continuidade das pesquisas: Celso de Mello, Marco Aurélio, Cármem Lúcia e Joaquim Barbosa.

Entre os votos vencidos, os do ministro Eros Grau e do presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, recomendaram reparos técnicos à legislação. Carlos Alberto Menezes Direito e Ricardo Lewandowski se manifestaram por restrições às pesquisas, o que, segundo especialistas, na prática as inviabilizaria.

Após idas e vindas, que incluíram discussões com Celso de Mello, o voto do ministro Cezar Peluso ficou como parcialmente procedente.

A proposta de Menezes Direito de limitar a Lei de Biossegurança foi alvo de críticas —a criação de um órgão federal de fiscalização poderia colocar o Supremo no papel de substituto do Legislativo.

Repercussão
A legitimação das pesquisas pelo STF foi recebida com comemoração e lamentos. A CNBB, em comunicado, afirmou ser lamentável que a decisão do Supremo não tenha confirmado o direito à vida. “Sendo uma vida humana, segundo asseguram a embriologia e a biologia, o embrião humano tem direito à proteção do Estado. A circunstância de estar in vitro ou no útero materno não diminui e nem aumenta esse direito.”

Especialistas favoráveis às pesquisas com células-tronco embrionárias destacaram que, apesar do longo caminho pela frente, a autorização dos estudos teve seu primeiro passo. “Precisamos agora ir para o laboratório trabalhar para transformar a esperança dos pacientes em realidade. Isso pode demorar alguns anos, mas estamos mais perto da cura”, disse a pós-doutora em Bioética Débora Diniz.

No entanto, para outros, as pesquisas serão, no futuro, consideradas fracassadas. Essa é a opinião do jurista Ives Gandra Martins. “As doenças serão curadas sem ferir a ética, por meio das pesquisas com células-tronco adultas, que hoje já têm um avanço muito maior. Estou convencido de que a decisão do Supremo vai, com o tempo, se tornar fantasticamente obsoleta”, afirmou.

Em 2009, o Supremo pode enfrentar mais um tema que coloca fé, vida e ciência no centro do debate jurídico. Nesse ano, os ministros poderão julgar a ação que pede para que não seja considerado crime a antecipação do parto em caso de fetos anencéfalos.

Fonte: Site Última Instância. Link para notícia original: http://ultimainstancia.uol.com.br/noticia/60503.shtml?__akacao=114415&__akcnt=869799a6&__akvkey=4345&utm_source=akna&utm_medium=email&utm_campaign=InfoUI_261208

Postagem: Cris, PUC, Direito, 2o B.

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