terça-feira, 28 de outubro de 2008

Esquecida, Constituição de 1934 foi pioneira na concessão de direitos

Ela teve vida curta, mas foi a primeira das constituições brasileiras a introduzir uma ordem econômica e social no país, com a concessão de garantias fundamentais à democracia como o voto secreto, o sufrágio feminino (já previsto no Código Eleitoral de 1932), a proibição formal do trabalho infantil e a criação da Justiça do Trabalho.

O país vivia um governo provisório e, na prática, sem uma Carta vigente, já que desde a Revolução de 1930 a coalizão liderada por Getúlio Vargas governava por decreto-lei. As grandes transformações sociais pelas quais o país passava, como o fim do domínio político das oligarquias, a industrialização e a urbanização, acabaram sendo condensadas pela Assembléia Constituinte.

Para o jurista José Afonso da Silva, professor titular aposentado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, a Carta de 1934 traz algumas das contradições da época. “Ela foi progressista, pois foi a primeira Constituição a introduzir uma ordem econômica e social no Brasil, e nisso foi inspirada na Carta alemã da República de Weimar.”

No entanto, o jurista classifica o sistema de representação corporativa incluído no texto —a Assembléia Constituinte foi composta por 40 representantes de sindicatos, além dos 214 parlamentares— é um traço reacionário da Constituição de 1934. “Essa foi uma herança do fascismo, da Carta del lavoro (1927), de Mussolini”, relembra o jurista.

Segundo o texto, a Câmara dos Deputados reservaria um quinto de sua composição para representantes indicados pelas associações profissionais. Essa eleição seria feita de maneira indireta, metade por sindicatos de empregados e metade por associações de empregadores. Fato semelhante ocorreria na escolha dos membros da Justiça do Trabalho. As corporações indicariam todos os nomes, com exceção do presidente do Tribunal, nomeado pelo presidente da República.

Esse tipo de representação, inspirada no modelo italiano, seria utilizado para cooptar os sindicatos e mantê-los sob a tutela do Executivo, garantindo um apoio político que, no caso de Vargas, viria a ser grande com a criação dos direitos trabalhistas.

Já para Oscar Vilhena Vieira, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo e diretor jurídico da ONG Conectas Direitos Humanos, a Constituição de 1934 serviu de inspiração para a Carta de 1988. “É nela [na Carta de 1934] onde se define um modelo de Estado que é o Estado mais próximo à social-democracia do que ao Estado liberal. Foi onde realmente bifurcamos e nos orientamos mais para uma sociedade em que se aceita a idéia de que deve haver direitos sociais, de que deve haver integração das pessoas por intermédio de serviços proporcionados pelo Estado”, afirma.

O historiador Marco Antonio Villa, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos, discorda da tese de Vilhena. Para ele as contradições do período, quando o país se equilibrava entre o autoritarismo e uma sociedade liberal, são muito marcantes. “A Carta acabou ficando sem um rosto próprio. Ela quer ser liberal, mas ela tem uma forte presença das idéias autoritárias das décadas de 1920 e 1930.”

Outro ponto de polêmica é a sua origem. A versão recorrente é que a Carta foi uma conseqüência direta da Revolução Constitucionalista de 1932, mas não é uma opinião unânime. “Tenho muita dúvida se a Revolução Constitucionalista tenha gerado a Constituição de 1934. Quando a revolução veio já tinha sido convocada a Constituinte. Acredito que a questão estava muito mais na influência inglesa e americana”, afirma José Afonso da Silva.

A Revolução Constitucionalista de 1932 ficou restrita especialmente a São Paulo, onde chegou a haver luta armada entre o Exército e a Força Pública —a então polícia do Estado. Mas há especialistas que argumentam que se tratava mais de um foco de oposição ao governo de Vargas do que um movimento organizado em torno da busca por uma nova ordem constitucional.

Marco Antonio Villa, no entanto, pensa que, apesar de já estar marcada, a Assembléia Constituinte só ocorreu de fato por causa do 9 de Julho de 1932. “Dizia-se à época que a eleição era ‘para inglês ver’, porque os tenentistas tinham muito poder e influência sobre o presidente Getúlio Vargas, já que o Congresso estava fechado e eles não queriam a eleição”, relembra.

Vida curta
Na prática, a Carta de 1934 só vigorou durante um ano. Em 1935, a Intentona Comunista —tentativa fracassada de golpe de Estado, liderada pelo PCB (Partido Comunista do Brasil)— deu a desculpa que Vargas esperava para radicalizar o regime, inclusive usando dispositivos previstos pela Constituição, como a declaração de estado de emergência ou de sítio.

Com a suspensão da ordem constitucional, o presidente voltou a governar por decreto-lei e foi intensificada a escalada alarmista contra um golpe comunista, que teve como ápice a descoberta do famigerado plano Cohen. Supostamente seria uma estratégia organizada pela União Soviética para derrubar o governo e implantar uma ditadura socialista no Brasil, mas na verdade foi uma farsa criada pelo militar integralista Olimpio Mourão Filho —que 27 anos depois desencadearia o golpe que derrubou o governo João Goulart.

O plano foi amplamente divulgado pela imprensa e pelo rádio, e fez com que Vargas conquistasse o apoio dos integralistas, dos militares conservadores, da burguesia industrial e de interventores/governadores de vários Estados. Em 10 de novembro de 1937, o Exército fecha o Congresso e Getúlio outorga a mais autoritária Carta que tivemos até hoje.

Autor: William Maia


Fonte: Site Última Instância. Link para noticia original: http://ultimainstancia.uol.com.br/noticia/57895.shtml

Postagem: Cris, PUC, Direito, 2o B.

Um comentário:

Anônimo disse...

Parabéns pelo artigo sobre CONSTITUÍÇÃO.Faz despertar e aguçar a curiosidade a respeito da História das Constituíções, principalmente a do nosso maravilhoso Brasil!!!
Edno -Direito-PUC