domingo, 23 de março de 2008

O delírio da inteligência no mundo jurídico

CASTRO ALVES (que era gênio), como todo superdotado, tinha muita dificuldade em compreender a maioria das pessoas e vice-versa.

Tratou do seu drama existencial nos versos que se seguem:

O Gênio é como Ahasverus… solitário
A marchar, a marchar no itinerário
Sem termo do existir.
Invejado! a invejar os invejosos.
Vendo a sombra dos álamos frondosos…
E sempre a caminhar… sempre a seguir…Pede u’a mão de amigo dão-lhe palmas:
Pede um beijo de amor e as outras almas
Fogem pasmas de si
E o mísero de glória em glória corre…
Mas quando a terra diz: “Ele não morre”
Responde o desgraçado: “Eu não vivi!…”

Realmente, o número de gênios (e quase-gênios) é muito reduzido face à maioria (mediana e abaixo da média).

Em um país como o nosso, em que o nível de instrução é reduzido, devido à pobreza mal-disfarçada, é certo que os operadores do Direito em geral representam uma verdadeira elite intelectual.

Não chegamos (com raras exceções) a ser superdotados, mas a verdade é que exercemos uma influência muito acentuada sobre a vida de grande número de cidadãos, podendo-se dizer que a maioria das pessoas, pelo menos em algumas situações de sua vida, já dependeu ou dependerá de nossa atuação decisiva.

Tal situação nos obriga a uma constante vigilância sobre nós próprios com o fim de verificarmos a qualidade do nosso trabalho, visando sempre o benefício da coletividade.

Não tendo todos de nós a mesma forma de pensar sobre o que represente o melhor para o coletividade (pelo contrário, como há muita divergência quanto a isso), ocorre que as formas de pensar são as mais variadas...

Todavia, o importante é que haja boa-fé da parte de quem presta esses serviços públicos.

Não podemos nos comparar ao lendário Ahasverus (pois não somos tão inteligentes quanto ele), mas amargamos um pouco do drama vivenciado por ele, uma vez que nossa atuação nem sempre é bem compreendida por aqueles a quem ela se destina, enquanto que, em direção contrária, nem sempre conseguimos compreender a mentalidade dos nossos cidadãos.

A instrução superior nos proporciona uma visão panorâmica da vida comunitária, como se recebêssemos informações via satélite dos detalhes da topografia do solo, sua vegetação etc.

O perigoso é nos concentrarmos somente nessa visão privilegiada e esquecermo-nos de que a maioria das pessoas não tem acesso a ela e querermos exigir muito dessas pessoas ou então querermos interferir na sua vida mais do que é razoável.

O delírio da inteligência pode vitimar não somente os outros, mas também nós, como verdadeiro morbo de difícil erradicação.

A melhor forma de evitarmos a contaminação desse vírus terrível é o contato diuturno e sincero com aqueles que necessitam da nossa atuação, principalmente os mais carentes de recursos intelectuais, que acabam nos ensinando muitas coisas importantes, principalmente a humildade.

Essa compreensão é salutar para nós, pois - acima da própria genialidade que possamos eventualmente ter - somos meros seres humanos falíveis, imperfeitos e carentes de reciprocidade no nosso dia a dia.

Luiz Guilherme Marques
Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora (MG).

Fonte: Site Jus Vigilantibus. Link para notícia original: http://jusvi.com/colunas/32386

Postagem: Cris, 2.o B

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